quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

EXPECTATIVA

a vida é tão curta
e minha capacidade de criar tão intensa
quase me perco e delirante misturo
da imaginação abuso e peco
mas não impeço o futuro
acoplado contigo em denso nevoeiro
em sons plenos do conhecido desejo
em cores ardor cintilantes
olhos extasiados à visão turva
cabelos armados qual louca
ao teu ouvido
o ardente silêncio de minha boca
minhas mãos adelgaçam tua cintura
as tuas tragam no aperto minha nuca
tu me amas!
a vida é tão curta
e minha alma tão tensa de viver
que permaneço dopado desequilibrado
eu sei
me esforço para não contrariar o devaneio
às vezes me rebelo o elo arrebentar quero
porém não importa
se não for teu corpo... ao meu dorso
tua força suprema chama
e de olhos estrelados
sou desmaterializado
ardo sobre tua cama
acorrentado por teus anseios sou
escuto teus lábios siderantes
aperte...
sugue...
beije...
a vida é tão curta
e minha capacidade de criar tão intensa
e minha alma tão tensa de viver
e minha vida...
e minha vida?
ainda assim é tão curta!

Sérgio Gerônimo & Flávio Dórea, in CONVERSA PROIBIDA, 2009, OFICINA

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

viver pra quê?

9 horas da manhã
buzinas, cheiro de café
um pão com manteiga que torrou
meus olhos vidraças quebradas
de uma noite inconstante
de relógios terroristas
em flash backs horários
arre! quanta preguiça
procuro abraçar o meu mundo
em um bom-dia afetivo
mas o fog não londrino
encobre corações e atitudes
tento em um repente
me abrigar no acetato
estático do mar em frente
enfrento ondas de pensamentos
surfo interrogações
mas a maré não está pra...
deixa pra lá!
um vento passeia
despreocupadamente meus cabelos
9 horas e um minuto desta manhã
mal se deu o start da minha vida
quantas sobrevivências
arre! será que eu aguento
tanta preguiça?

Sérgio Gerônimo, in CÓDIGO DE BARRAS, Oficina, Rio/RJ, 2007

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

AS MÃOS DE EURÍDICE

agora eu sei
que as palmadas de mão aberta
estalando feito ovos na frigideira
eram afagos que não se apagam
- já vou mãe!
agora eu sei
que as conversas ao pé-do-ouvido
zunindo como ladainhas de Domingo
eram conselhos que não se compram
- deixa eu ir, mãe?
agora eu sei
que mesmo estando errada
acertava em cheio nas previsões
eram premonições que não se explicam
- mas todo mundo vai, mãe!
agora eu sei
que nas noites em que me aguardava
voltando beboalegre e errando a fechadura
era puro zelo que eu não entendia
- sua bênção, mãe.
ainda bem
que agora eu sei

Sérgio Gerônimo, in OUTRAS PROFANAS, Oficina, 1998

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

pré-natal

da infância o sonho de natal
anunciando guloseimas policromia poliforme
de perguntas à noite meu sono teria medo
e eu?
só precisaria de um brinquedo

nacos de abacaxi nadariam ao vinho
nozes e passas enovelar-se-iam às avelãs
a natalina gravura em vermelho bordaria o linho
no pinheiro luzes e pequenas esferas-maçãs
à noite me esconderia um segredo
e eu?
só precisaria de um brinquedo

da adolescência repetido o ritual
a branca barba seria ceifada
da face e a lembrança do oculto
amigo seria virtual da igreja na torre o
sino seria o toque de classe à noite minha voz
mergulharia em levedo
e eu?
só precisaria de um brinquedo

rabanadas, doces e salgadinhos
trocados presentes, abraços e beijos
e quem perceberia os olhos tristinhos
que observariam nos copos as silhuetas dos beiços?
à noite chegaria sempre neste enredo
e eu?
só precisaria de um brinquedo
a mecânica liturgia permaneceria incólume
atentos poucos estariam ao seu significado
da estrela o brilho não ofuscaria o vagalume
que como o meu sorriso vagaria mumificado
à noite meus soluços despertariam mais cedo
e eu?
só precisaria de um brinquedo
eu!
só precisava de um brinquedo
eu só preciso
da tua mão!
Sérgio Gerônimo, in OUTRAS PROFANAS, OFICINA, 1998