sexta-feira, 26 de março de 2010

poesia é

Outro dia me chegou um poema
de salto alto com adereços sutis
endereço de internauta
um quê de colegial
disse baixinho em um hálito
brisa de outono sua identidade...

sou poesia feminina

tentei afastar tal companhia atrevida
continuou pé-ante-pé no meu pé
me fez bailarino de linhas tingidas de grafite
às 3 da manhã não satisfeito
tocou fogo em meus pensamentos
me fez diurnos os sonhos

levitei meio torto entre os gêneros
que a mim se apresentavam
um poema que se dizia feminino
batia incessantemente com sua voz
em minhas idéias um quanto
radicais e colocou em semitons

minhas raízes vernaculares

ele, o poema – gênero masculino
(coisa que só os léxicos entendem)
sabendo-se ser feminina ou seria feminino
mas, a palavra feminino é masculina: o feminino
ou será masculino?
esquisito, não?

este poema de salto alto
roubou-me as horas madrugadas
fez-se companhia, como já disse, atrevida
e com dedos ágeis de tudo sei
preencheu o vazio até então
conhecido das minhas entrelinhas

escreveu que voltaria

no espelho da minha vontade
deixou embaçado ou embaçada
os embasamentos latinos da minha língua
não contente com a contenda
sem desfecho fiz-me estátua de rodin
e atônito indagador (cinderelamente)
com o saltinho alto de cristal entre as mãos
questionei à poesia
quando ele voltará, mesmo?
ela disse baixinho: quem sabe?
no próximo hálito
brisa de outono
quem sabe?

Sérgio Gerônimo, in CÓDIGO DE BARRAS, Oficina, Rio, 2007 e in CONVERSA PROIBIDA, Oficina, Rio, 2009

quarta-feira, 17 de março de 2010

TARDE DO DIA INFINDO

A magia não está perdida
às vezes a deixamos escapar
pelas frestas do coração
mas ela é inesgotável
e nos surpreende a cada esquina
quando pensamos
que o caminho inexistisse
ele permanece no limite do intransponível
é fogo-fátuo
é fogo-artefato
é fogo na arte do fato
consumível
poeta não queima - arde
na tarde do dia infindo

Sérgio Gerônimo, in XX ANTOLOGIA DA ALAP, Oficina, Rio/RJ, 2010